Na Igreja Católica, existe uma tradição na qual dedicamos cada mês do ano a uma devoção específica. Aqui no Brasil, o mês de setembro é muito especial, pois voltamos o nosso olhar para as Sagradas Escrituras, sendo este chamado de “o mês da Bíblia”. Mas, você sabe por que temos em tão alta consideração este livro, considerando-o sagrado?
Para responder essa pergunta, nós da Equipe Nossa Sagrada Família montamos esse artigo para você.
Antes mesmo de tratarmos a respeito das Sagradas Escrituras é necessário que nos lembremos de um princípio básico e fundamental que consiste em observar o motivo pelo qual o ser humano existe.
O Catecismo da Igreja Católica, logo no início da primeira seção, nos apresenta uma bela definição.
“A razão mais sublime da dignidade humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus. Desde o começo da sua existência, o homem é convidado a dialogar com Deus: pois se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele, e por amor, constantemente conservado: nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e não se entregar ao seu Criador.” [1]
Por sermos criados à imagem e semelhança de Deus, possuímos inscrito em nós esse desejo que naturalmente nos leva a uma busca de conhecer a Deus. Deste desejo, o homem torna-se capaz de encontrar alguns “caminhos” que o leve a esse conhecimento.
A Igreja Católica atesta e ensina que Deus, principio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido, com certeza, pela luz natural da razão humana, a partir das coisas criadas, porém, devido à limitação da nossa própria natureza e também por consequência do pecado original, esse conhecimento torna-se dificultoso, de forma que facilmente somos persuadidos de falsas “verdades” e demais coisas que acabam por nos afastar de Deus.
É por isso que o homem tem necessidade de ser esclarecido pela Revelação de Deus, não somente no que diz respeito ao que excede o seu entendimento, mas também sobre “as verdades religiosas e morais que, de si, não são inacessíveis à razão, para poderem ser, no estado atual do gênero humano, conhecidas por todos sem dificuldade, com uma certeza firme e sem mistura de erro”. [2]
Deus vai ao encontro do homem
Como dissemos anteriormente, o homem possui em si essa “sede de Deus”, porém depara-se com a limitação da própria natureza que o impede de tal conhecimento profundo. Desta forma, Deus, por uma vontade absolutamente livre, revela-Se e dá-Se ao homem. E Ele assim o faz através da revelação de seu mistério, o desígnio benevolente que, desde toda a eternidade, estabeleceu em Cristo, em favor de todos os homens.
Deus, que “habita em luz inacessível” (1 Tm 6,16), quer comunicar a sua própria vida divina aos homens que livremente criou, para fazer deles, no seu Filho único, filhos adotivos. Revelando-Se a Si mesmo, Deus quer tornar os homens capazes de Lhe responderem, de O conhecerem e de O amarem, muito para além de tudo o que seriam capazes por si próprios. [3]
Chamamos isso de “pedagogia divina”, ou seja, Deus que se comunica gradualmente ao homem e prepara-o, por etapas, para receber a Revelação sobrenatural que faz de Si próprio e que vai culminar na Pessoa e missão do Verbo encarnado, Jesus Cristo.
A Revelação
Ao criar o mundo, Deus ofereceu aos homens um testemunho perene de si, convidando os nossos primeiros pais, Adão e Eva, a uma comunhão íntima consigo, revestindo-os de uma graça e justiça resplandescentes.
Mesmo depois da queda do pecado original, Deus não abandonou seu desígnio e prometeu-nos a redenção, para dar a vida eterna a todos os que, perseverando na prática das boas obras, procuram a Salvação.
A plenitude da revelação se dá na Pessoa de Jesus Cristo, que se encarnou no seio da Virgem Santíssima. Por meio de Jesus, seu próprio Filho, Deus estabeleceu a sua aliança para sempre. O Filho é a Palavra definitiva do Pai, de modo que, depois d’Ele, não haverá outra Revelação.
No entanto, apesar da Revelação já estar completa, ainda não está plenamente explicitada. E está reservado à fé cristã apreender gradualmente todo o seu alcance, no decorrer dos séculos.
As Sagradas Escrituras
Para se revelar aos homens, Deus fala-lhes em palavras humanas, de forma que a linguagem tornou-se semelhante à nossa, tal como o próprio Verbo Divino se assemelhou a nós ao se encarnar.
Deus é o autor da Sagrada Escritura. Foi Ele quem inspirou os autores humanos dos livros sagrados, servindo-se das suas faculdades e capacidades, para que, agindo Ele neles e por eles, pusessem por escrito, como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria.
Esses livros inspirados ensinam a verdade. E assim como tudo o que os autores inspirados ou hagiógrafos afirmam, deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, por isso mesmo se deve acreditar que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro, a verdade que Deus quis que fosse consignada nas sagradas Letras em ordem à nossa salvação. [4]
Por essa razão, a Igreja sempre venerou as divinas Escrituras tal como venera o Corpo do Senhor. Na Sagrada Escritura, a Igreja encontra continuamente o seu alimento e a sua força, porque nela não recebe apenas uma palavra humana, mas o que ela é na realidade: a Palavra de Deus. “Nos livros sagrados, com efeito, o Pai que está nos Céus vem amorosamente ao encontro dos seus filhos, a conversar com eles”. [5]
No entanto, a fé cristã não é uma “religião do Livro”. O Cristianismo é a religião da Palavra de Deus, “não duma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo”. Para não serem letra-morta, é preciso que Cristo, Palavra eterna do Deus vivo, pelo Espírito Santo, nos abra o espírito à inteligência das Escrituras. [6]
As Escrituras e a Tradição
“Mas Jesus, aproximando-se, lhes disse: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo”. (Mt 28, 18-20)
Como podemos observar nessa passagem da Sagrada Escritura, Jesus ordenou a pregação de sua Boa Notícia da Salvação. E, de fato, os Apóstolos e toda a Igreja pregaram o Evangelho de Cristo em todos os lugares do mundo ao longo de dois mil anos.
Entretanto, é interessante observar que esse anúncio deu-se, inicialmente, de forma oral com os Apóstolos, que transmitiram o que receberam do ensino e do exemplo de Jesus e aprenderam pelo Espírito Santo. Esse ensinamento oral é chamado pela Igreja de Tradição.
De fato, a primeira geração de cristãos não tinha ainda um Novo Testamento escrito (segundo os historiadores, o primeiro livro do Novo Testamento a ser escrito foi a primeira carta de São Paulo aos Tessalonicenses, datada do ano 52 d.C., ou seja, cerca de 20 anos após a morte, ressurreição e ascensão de Jesus) e o próprio Novo Testamento testemunha o processo da Tradição viva.
“Irmãos, quero lembrar-vos o evangelho que vos anunciei e que recebeste, e no qual estás firmes. Por ele sois salvos, e o estais guardando tal qual ele vos foi anunciado. A menos que tenhais abraçado a fé em vão. De fato, eu vos transmiti, antes de tudo, o que eu mesmo tinha recebido […]” (1Cor 15, 1-3).
Portanto, a Tradição Sagrada e a Sagrada Escritura estão intimamente unidas e compenetradas entre si, isto porque ambas provém da mesma fonte divina, sendo como que uma coisa só. Embora distintas, Tradição e Bíblia são dois instrumentos nos quais Deus transmite a Palavra.
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A Sagrada Escritura é a Palavra de Deus enquanto foi escrita por inspiração do Espírito Divino;
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A Sagrada Tradição, por sua vez, conserva a Palavra de Deus, confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos, e transmite-a integralmente aos seus sucessores, para que eles, com a luz do Espírito da verdade, fielmente a conservem, exponham e difundam na sua pregação. [7]
Cristo é a Palavra de Deus
Por fim, devemos sempre nos lembrar de que toda escritura divina é um só livro, e esse único livro é Cristo.
A Igreja “exorta com ardor e insistência todos os fiéis […] a que aprendam “a sublime ciência de Jesus Cristo” (Fl. 3, 8) na leitura frequente da Sagrada Escritura.
Que possamos nos alimentar cada dia mais da Palavra do Senhor, a fim de que, lendo e ouvindo do próprio Cristo, sua Boa Nova, possamos, através da ação do Espírito Santo, crescer cada vez mais em santidade.
Quer conhecer mais sobre a Bíblia? Então leia esses artigos!
Referências
[1] CIC 27
[2] CIC 38
[3] CIC 52
[4] CIC 107
[5] CIC 104
[6] CIC 108
[7] CIC 81

